segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Aquele chiado honesto


Honestidade, além de uma virtude em desuso, é uma política que facilmente se confunde com grosseria. Sua raridade se deve a sua difícil reprodução, afinal, não se pode copiar ou fingir honestidade sem desvirtuar-lhe o sentido último. Mas é isso que fazemos a maior parte do tempo, em nome das instituições humanas, e quem sabe até de nossa sobrevivência.

Criar ilusão de honestidade já é uma ciência exata, da qual faz parte a produção musical, o marketing, a moda, a maquiagem. Nem o artista independente escapará ileso desse olho de furacão, não importa quão reclusa e despretensiosa seja sua produção.

A marca sonora dessa motivação é o que ficou conhecido como Lo-fi, que ironicamente remete a um retrato de baixa fidelidade da realidade. Como a honestidade, esse é um efeito melhor produzido em condições precárias: o porão da própria casa, o instrumento surrado no qual você aprendeu sua música favorita, e um coração destroçado.

O resultado geralmente é desastroso. E quando Robert Pollard e Bill Calahan pareciam sozinhos o disco de 2009, intitulado “Songs of Shame” do Woods se reúne a eles. A gravação em fita adquiriu uma propriedade de artefato raro que só se preserva em ouvidos românticos (quase sectários) que vergonhosamente ainda se apegam a essas excentricidades, se comovem com a exaltação desses tímidos poetas, imersa em chiado e eco. A dor que o poeta deveras sente, em baixa fidelidade, torna-se tão real que mal distinguimos da nossa própria.

Os dias parecem contados para essa forma já tão obsoleta de gravação – não tanto pela tecnologia, e nem pela desestimulante proliferação de artistas caseiros de ambições megalomaníacas – mas por conta de nosso cinismo.

Zoon Politikon que somos, estaríamos extintos sem uma salutar ilusão de expectativas alheias e próprias. Sem isso o mundo torna-se apenas uma cadeia alimentar sem propósito, na qual a balança pende para a destruição em vez da criação. Portanto não se trata de acabar com a ilusão, e sim de adicionar a ela alguma beleza que não se pareça apenas com vaidade.

terça-feira, 24 de novembro de 2009

A Teoria do Pop e Jaga Jazzist


Meus sobrinhos pré-púberes de repente tornaram-se fãs do Michael Jackson. Lembro-me num átimo quando “Thriller” (que eu cantava “Pirê”) estreou no Fantástico, ou a festa de aniversário de uma prima em que ficamos trancados no quarto dançando “Bad” ("Rusbé"), ou quando aprendi a letra de Billie Jean e achei seu significado cômico (“esse filho não é meu”, ainda soa engraçado). Em outro estalo o luto mundial baixa seu véu sobre a mesa de bar em que estou com amigos e sou solapado por insultos em reação a meu seco comentário: -Diversão barata. Provavelmente perdi a simpatia da garota que me olhava com interesse naquela hora. Em outra ocasião, um churrasco do trabalho, aproveitei a deixa para refletir em voz alta:- que ídolo é esse que troca de cor, supõe-se molestar crianças, compra bebês e os balança na janela de cara coberta? Vaiado outra vez. Acusado de moralista e quase enxotado do churrasco. -O que importa é a música! ou melhor a dança! (as pessoas se confundiam). De fato, minha posição parecia indefensável. Eu mesmo já preguei tantas vezes que a confusão entre obra e autor só fomenta fofoca. Mas esses dias eu tive outra epifania vendo TV. Num documentário desses sobre o gênio, entre Quincy Jones e Missy Elliot tirando seus chapéus, estava o depoimento derretido de Beyoncé dizendo que sonhava ser a mulher em “Smooth Criminal”. -Como Michael estava sexy!- Suspirava. Imaginar a Beyoncé na flor da adolescência febril por Michael cuja maior atração na época devia ser o Mickey Mouse me fez entender que eu estava cego para uma sedução muito mais óbvia. O que move o “Show business” e toda a humanidade é essa sedução. Stevie Wonder e Ray Charles nunca seriam reis do Pop, não naquela época. O pop foi inventado depois, quando essa sedução foi domesticada. Hoje em dia não duvido que cegueira entrasse na moda. Chegaram ao coração de muitas mulheres com sua música, eufemisticamente falando. Isso vende. Produtores ficaram muito bons nisso, seus ouvidos tem uma sensibilidade especial para os “instintos baixos”. De gênio artístico inquestionável o pequeno Michael passou a sex symbol, modelo de humanidade, filantropo, super herói de videogame e difusor da paz na terra e na Bahia.

Eu tentei explicar para os meus sobrinhos que a mídia tem um plano para controlar suas mentes mas eles não acreditaram. Mostrei tudo que eu achei que poderia salvá-los e nada. Entre essas coisas lá estava o clipe do National Bank, uma homenagem ao ídolo pop, com participação de um filho bastardo largado na noruega (parece que afinal o filho era dele sim). Se dessem ouvidos ao seu velho tio, o portal de uma nova dimensão se abriria diante deles. Nesse projeto, Lars Horntveth, líder do Jaga Jazzist mostrou que é possível ser direto sem ser cretino. Aguardo religiosamente o próximo do Jaga Jazzist que terá a produção de John Mcentire. Esses dois produtores juntos são quase a última esperança contra as forças do mal.


* Na foto, John a esquerda e Lars ao centro.