terça-feira, 29 de março de 2011

As pessoas estão indo...

Apenas semanas atrás eu havia fugido de dias tristes num avião rumo às planícies. Por oito dias minha tática escapista me manteve sonhando e confabulando planos que dificilmente seriam concretizados.

Lá, revi amigo, reencontrei colegas, conheci gente nova. Pude sentir a vida vibrando naquelas pessoas, a senti reverberando em mim e só então me lembrei que conhecia o sentimento. Brindando por entre a fumaça de charutos celebramos uma amizade como poucas amizades são, e que em grande parte pode ser creditada à uma incrível afinidade, entre tantas outras, musical.

Me lembrando da minha visita de dez anos antes, amiúde me encontrava voltando à pérola de Robert Pollard, Waved Out. Com sua precária perfeição, cada uma daquelas músicas traziam cores desbotadas de uma década passada àquele horizonte que se estendia até onde os olhos cansavam de ver.

Com a segurança de quem dedicou anos e muita atenção, meu amigo, no transcorrer de um dos infindáveis passeios pela cidade, me chamou a atenção pra sequência perfeita das três músicas centrais de Waved Out, Wrinkled Ghost, Artificial Light e People Are Leaving. A primeira, uma jóia do melhor que Pollard sabe fazer, pop melancólico e inesquecível. A segunda, uma breve canção de voz e guitarra, simples, bela e inquietante. A terceira, People Are Leaving, é espetacular e brilhante. Sob uma melodia simples que evoca estacionamentos abandonados após uma chuva numa cidade vazia com ruas cobertas pelas folhas do outono passado, Pollard canta duas letras distintas, com melodias distintas, criando uma poesia cacofônica quase indecifrável.

Foi com essas três músicas ecoando em minha memória que embarquei de volta para “casa” e é com elas no headphone que sento aqui escrevendo isso, num torpor meio sonolento, dividido entre a música e o emaranhado incompreensível de vozes, vendo o mundo em movimento enquanto permaneço aqui estático olhando por um janelão os pedestres da cidade suja desfilando sua falta de jeito e graça, salvos pela ocasional garota quase deslumbrante.

Neles, não vejo a vida que vibra, muito menos a sinto reverberar em mim, vejo apenas pequenos autômatos insignificantes perdidos em suas funções cotidianas. Com isso, aumento o volume da minha música e ouço enquanto Bob Pollard me diz que as pessoas estão indo embora, pena que nem eles, nem eu, saibamos pra onde.


Robert Pollard - Wrinkled Ghost / Artificial Light / People Are Leaving