terça-feira, 8 de julho de 2008

A Festa de Lisa



Às vezes, na vida, a melhor opção é jogar toda a cautela e o bom senso no lixo e fazer o que se tem vontade. Certamente foi com algum pensamento como esse revolvendo em sua cabeça que, décadas atrás, um inglês chamado Edward resolveu que ia ter uma banda e ia, sim, cantar.
Me pego pensando, não raramente, quando é que os extraordinários se descobrem extraordinários. Quando é que Einstein viu que levava um jeitinho a mais pra matemática e física? Quando foi que Goethe, Céline, Dostoievski e Musil se tocaram que tinham uma facilidade incomum com as palavras? Quando foi que Edward Ka-Spel (provavelmente ainda atentendo por outro nome) percebeu que música fluía em suas veias?
Na minha ingenuidade e em meu tolo romantismo, imagino ele desde criança, com pianinhos de brinquedo, surpreendendo todos no jardim da infância tocando temas melancólicos e memoráveis desde a mais tenra idade. O imagino no colegial, um garoto magrelo, com mais gosto por discos, livros e instrumentos musicais do que pelas half pints e fish and chips. O imagino compondo uma música triste e apaixonada para sua primeira namoradinha e sendo trocado por alguém mais extrovertido, bonito e... enfim... normal. Sim, normal. Porque os gênios não são normais.
Foi tardiamente, aos 26 anos, por volta de 1980, que Edward formou sua banda. Porém sua aparição no cenário musical não passaria despercebida. Os mais atentos, aqueles sempre ávidos por coisas novas e diferentes, sedentos por algo realmente especial e único, em 1980 ganharam um presente chamado LEGENDARY PINK DOTS.
Desde suas primeiras e raras fitinhas K7 até seus mais recentes álbuns, passaram-se 28 anos, muitos membros e ainda mais composições, músicas, perfeitas, memoráveis, indispensáveis.
Desde suas aventuras experimentais, até sua mais 'acessível' fase, seus passeios pelos campos inexplorados das mais sinistras e retorcidas melodias 'pops', suas canções de amores doentios e suicídas românticos, suas invenções lingüistícas, seus mundos idílicos populados por pessoas nem um pouco como eu e você, parecendo fragmentos de um conto de Michael Ende que tornaram-se reais. Cada álbum da banda é infestado de momentos que inexistem em qualquer outro lugar senão no imaginário fascinante de Edward Ka-Spel. Imaginário, este, que ele consegue traduzir de forma cativante, singular e extremamente competente em músicas que poderiam ser a trilha sonora pra todos os momentos da sua vida, da minha vida, da vida de qualquer um.
O noivo que deseja ardorosamente a dama de honra em seu próprio casamento ou a esposa que não se importa o que pensam os vizinhos e mantém o marido vivo ligado à maquinas reconstruindo seu corpo desfigurado pouco a pouco. O rapaz tímido que apenas observa a moça sob sua janela passeando sua beleza trágica pelas ruas ou o outro levado a loucura, amarrado a uma maca, amordaçado, assoviando pra demonstar afeição quando visitado por sua mulher. São figuras como essas que abundam a cada disco e cuja companhia, após anos acompanhando-os, conhecendo 'Lisa' e suas aventuras, todas as 'Premonições', ter esperado no saguão fantasmagórico do 'Hotel Noir', que se tornam tão familiares que, sem aviso, fica impossível sentar-se com um álbum recém lançado nas mãos sem pegar-se imaginando como será o próximo.
Certo é que todos nós passamos por alguns momentos em que tudo parece vão, tolo, vazio e inútil. Esse, e tantos, tantos outros, é o momento perfeito pra se colocar qualquer disco do LPD, recostar-se, ouvir e perceber que a vida não é nada disso. Pelo simples fato dela, a vida, lhe proporcionar a possibilidade de estar ali, sentado, fones nos ouvidos, olhos fechados, ouvindo enquanto Edward te pega pela mão e te leva por um passeio pelas paisagens sonoras mais estranhamente reais e oníricas, só por isso, ela já valeu a pena.


Legendary Pink Dots - Casting the Runes
(do disco Any Day Now - vídeo não oficial)



Legendary Pink Dots - The Gallery
(do disco Any Day Now - vídeo não oficial)



Legendary Pink Dots - Siren
(do disco 9 Lives to Wonder)



Legendary Pink Dots - Just a Lifetime
(do disco Crushed Velvet Apocalipse - vídeo não oficial)



Discografia (apenas os discos principais):

Brighter Now (1982) * * * *
Basilisk (1983) * * *
Curse (1983) * * * * * √
The Tower (1984) * * * *
Asylum (1985) * * * *
Island of Jewels (1986) * * * *
Any Day Now (1987) * * * * * √
Crushed Velvet Apocalypse (1990) * * * * * √
The Maria Dimension (1991) * * * * * √
Shadow Weaver (1992) * * * *
Shadow Weaver 2: Malachai (1993) * * *
Four Days (1994) * * * *
From Here You'll Watch the World Go By (1995) * * * * * √
9 Lives to Wonder (1995) * * * * *
It's Raining in Heaven (1996) * * * * * √
Hallway of the Gods (1997) * * * *
Nemesis Online (1998) * * * *
A Perfect Mystery (2000) * * * *
Kollabaris (2001) * * *
All the King's Men (2002) * * * * *
All the King's Horses (2002) * * * * * √
The Whispering Wall (2004) * * * *
Your Children Placate You From Premature Graves (2006) * * * * *

√ - (Volume 11 pick)

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