quarta-feira, 23 de julho de 2008

Céu aberto sobre um rio cristalino

A River Ain´t Too Much to Love (2005) é o retorno de Smog ao elementar. Sem poluição nem experimentalismo, ressurge aqui cristalino, despido de quaisquer artifícios. Dedilhados de três cordas e a poesia mais bucólica de sua opus. A mesma voz desértica, que poderia ganhar o mundo se isso fizesse algum sentido, e o mesmo entusiasmo, de quem é impelido por alguma estranha ameaça. São temas rurais límpidos como uma nascente, vagando por vales angustiados, distantes anos-luz da agitação mundana...
Abre o disco com a arrepiante Palimpsest: Winter weather is not my soul, but the biding of spring. Narra como um avô benevolente pequenas revelações de insignificância em The Well, onde salva uma gota remanescente num balde emborcado de cair num velho poço, para depois lamentar senti-la cair acidentalmente em sua nuca, enquanto gritava xingamentos escuridão abaixo. E um estado de espírito de mãe cansada, cuja única motivação é separar a qualquer custo duas crianças briguentas (I feel like the mother of the world). In the Pines é um retrato melancólico porém conformado, do retorno ao lar, da espera na estação de trem, da dor que motivou a partida.
Drinking at the Dam remete a uma longínqua memória, de cabular a aula para beber e folhear pornografia na barragem, a qual tenta se apegar diante da força inelutável que atrai tudo ao nada. Running the Loping é uma valsinha para o esquecimento, ao redor da fogueira, com uma bizarra e hilária alusão ao estupro (imaginário, que fique claro) da esposa por um rapper. I´m New Here é mais uma caleidoscópica imagem de isolamento, ainda que aparentemente encoraje recomeços. Let Me See the Colts finaliza o disco preocupado com o futuro, acordando alguém no meio da noite, para checar os potros que lhe garantirão alguma renda em apostas. Definitivamente, não se trata de buscar sentido oculto ou metáforas profundas. As imagens não são simbólicas, são apenas belos recortes, mais ou menos aleatórios de um mundo desprovido de sentido. Por isso são tão reais. God is a word, and the argument ends there.
Sua obscena humanidade talvez o torne inacessível para alguns, já cegos pelo espetáculo da mídia, ávidos por fofocas, ou em busca de ídolos. O enigma em torno de Bill Calahan aqui assume um aspecto muito óbvio: música (e poesia) falam por sí só, e o que têm a dizer, todos nós, de uma forma ou de outra, já sabemos.


Um comentário:

Clara disse...

porra, esse texto sobre o smog me ganhou como frequentadora assídua desse blog.
muito foda. (o texto e o bill callahan)