sexta-feira, 11 de julho de 2008

"save that money for a rainy day, for the sake of future days"


A música só começa pouco mais de um minuto e meio depois. Primeiro você ouve sons estranhos, como ondas lavando a margem de uma praia em algum lugar que você nunca foi, ou então que só existe em seus sonhos.
A bateria insuperável de Jaki Liebezeit lidera, como sempre, enquanto o modesto Michael Karoli cria a ambiência. Holger Czukay e Irmin Schmidt completam a cena. Os oito minutos da faixa que abre, e dá nome ao disco, Future Days, dos alemães (e um japonês) do Can, prepara maravilhosamente o clima, e o ouvinte, pros próximos trinta e dois minutos e alguns segundos, dividos em mais tres músicas, que compõem a obra definitiva de qualquer coleção de Krautrock. Mas não somente isso. O quinto disco da banda, e último com Damo Suzuki encarregado dos vocais, Future Days, é um álbum perfeito, instigante, apaixonante, maravilhosamente complexo, vivo, pulsante, constantemente mudando direções, texturas, paisagens, mas, infelizmente, curto. Sua duração, quase chegando aos 41 minutos (dos quais, quase 20, consistem em sua última música, e o clímax, Bel Air), sempre deixa a sensação de que acaba um pouco cedo demais.
A segunda música, Spray, continua a trilhar os caminhos abertos pela faixa inicial. A tranquilidade é perturbada, no entanto, pela bateria, sempre ela, quebrada, inconfundível, atordoante e frenética, que, aos poucos, vai nos afastando daquela suposta praia e suas ondas relaxantes, nos levando por outras paisagens, mais populosas, como uma cidade, alguma distopia, talvez real, talvez onírica, talvez (por que não?) em algum outro planeta. Apenas ao seu fim a voz de Damo vem nos resgatar da densidade sufocante e nos carrega de volta, flutuando sobre as escuras e calmas águas que banham esse lugar tão cheio de contrastes, tão estranho, tão familiar, tão opressor e aconchegante ao mesmo tempo.
Moonshake, a terceira música, é uma faixa diferente de todo o resto do disco. Em momento algum isso é algo próximo de um comentário pejorativo. Ela é uma música perfeita em outro sentido, breve, alegre, e, nesse momento, indispensável, pois, ficando entre Spray e Bel Air, é o breve respiro necessário antes de um mergulho de 20 minutos, do qual, certamente, ninguém volta o mesmo.
Bel Air é o passeio pelas profundidades das paisagens que apenas foram vislumbradas nas faixas anteriores. Seus primeiros quatro minutos são calmos, maravilhosos e, então, silêncio. Repentinamente, se é puxado por um redemoinho e adentra-se as profundidades mais abissais, rodando por entre seus corais, sua pouco usual vida submarina. E são minutos e mais minutos da mais pura beleza para apenas depois acordar-se à margem de tudo isso, ao som idílico de pássaros que cantam timidamente (e sim, eles realmente estão na música). Nos minutos que se seguem, daí até seu fim, a sensação é o de flutuar acima de tudo isso, olhando pra trás, por cima do ombro, enquanto se deixa esse lugar, tão fascinado quanto assustado.
E assim acaba a viagem. Essa foi a única maneira, pouco objetiva e ortodoxa, que consegui descrever o que, pra mim, é a experiência única contida nas quatro músicas que compõem Future Days, a meu ver, um dos discos mais fenomenais já gravados.
Peço perdão pelas liberdades que tomei, que são, por vezes, piegas, talvez maçantes, mas sempre honestas. Seria mais comum, menos pretensioso até, descrever música por música pelo que elas são, mas, por melhor que as músicas, em si, sejam, prefiro falar do que elas suscitam em mim, de minha experiência individual (embora possa facilmente ser de mais alguém) e, assim, talvez chatear alguns, mas, pelo menos transmitir adiante o que esse disco tão incomum, tão absolutamente inigualável, é, pra mim.


Can - Future Days








01 - Future Days
02 - Spray
03 - Moonshake
04 - Bel Air


Um comentário:

Nimrod disse...

Por favor, não se desculpe. Obrigado.