sexta-feira, 21 de junho de 2013

Também cresce?



(leia ouvindo)
Little  Wings - I Grow Too

Memória muscular guia pelas ruas da cidade. Mesmo que não saiba mais os nomes, ainda conhece os caminhos. Mesmo que não reconheça os rostos, lembra das vidas. Passam casas, praças, bares. O fantasma da juventude não tão distante paira sobre a água do rio, o pico da montanha, espreita em esquinas escuras, flutua acima da copa das árvores, uma mão aberta, outra cerrada, um sorriso indeciso sussurando no rosto, no peito, a vergonha de todos os erros em exibição constante para quem quiser ver. 
"pneus cantam, metal retorce, pessoas desaparecem. vivas ou mortas, enterradas. o sol se levanta pela janela no quarto dos fundos. roupas dispostas em cima de uma cama. malas vazias, corações pesados. um copo com água esquecido ao lado de um cigarro ainda aceso queimando sozinho na cozinha na madrugada. abraços vazios, mãos que apertam a si mesmas. o gosto amargo da boca dos outros."
A cidade é outra, a bebida a mesma, e nos bares as conversas não mudam, as mesmas histórias reverberam pelas paredes até morrerem sob as rodas de um carro qualquer guiado rápido demais por alguém nem diferente nem igual a ninguém. O brindar de copos, os olhares furtivos para as coxas das mulheres, às vezes novas demais, às vezes não. Nenhum traço de novidade que faça o coração bater. O fantasma da juventude agora pouco mais distante paira nos balcões, mesas, flutua, murmura palavras ininteligíveis de salvação, mãos abertas, no peito sangrando a marca ainda recente de unhas e dentes.
"notícias chegam por telefone, cada toque, falha no coração uma batida de coração. a emboscada da vida. a armadilha da velhice aguarda de molas armadas. dedos ansiosos reviram cinzas. faróis acendem, trazem a realidade, espantam sonho e noite. em toda calçada, esquina qualquer, lixo cresce e vento sopra o que resta. ratos disputam migalhas. sangue nos olhos."
Um mar de bocas, pés, mãos, braços, cabeças. A música alta demais, a luz que oscila devolve o benefício ignorado do silêncio e inexatidão a todos, que, aos berros, se exibem no mesmo esconderijo embaraçosamente super exposto de sempre. Na graça inexistente, na classe ausente está a impossibilidade dos corpos, e os copos circulam, as vozes aumentam. Olhos e mãos se confundem em suas funções e a vergonha é tomada por garrafa vazia, lançada ao chão, despedaçada. O fantasma da juventude para sempre esquecida vaga por entre corpos, copos, paredes e portas, de mãos para trás, olha por olhos cansados, pensa pensamentos pesados, não oferece, não exige coisa alguma. No peito, o lobo negro chamado Nada.

Um comentário:

josi disse...

Eu li os dois últimos textos e gostei muito. Nao pare.